EXERCÍCIOS NUMÉRICOS DE USO DO PROGRAMA SHAFT

Tradução e Adaptação feita por Ronaldo da Silva Ferreira

(Professor de Fundações da UFSC)

O projeto geotécnico de fundações profundas usando tubulões, exige que sejam feitos estudos sobre o Cálculo da Capacidade de Carga e sobre a Previsão de Recalques destas fundações. O programa SHAFT trata do primeiro estudo. Quatro tipos de exercícios serão apresentados: A - Cálculo manual da carga admissível de compressão; B - Cálculo manual da carga admissível de arrancamento; C - Cálculo manual de recalques de fundações profundas; e D - Cálculo automático, usando o programa SHAFT, da carga admissível de compressão e de tração. No primeiro exercício busca-se determinar a máxima carga de compressão que poderá ser aplicada em uma fundação profunda com apenas um tubulão; no segundo busca-se determinar a máxima carga de compressão e de tração que poderá ser aplicada em uma fundação profunda usando apenas um tubulão; no terceiro exercício busca-se a complementação do projeto geotécnico através do cálculo de recalques de fundações profundas; e no quarto calcula-se as cargas máximas de compressão e de tração usando-se o programa de computador.

A - Cálculo manual da carga admissível de compressão

Neste exercício a incógnita é a carga admissível de compressão. O programa SHAFT poderia ser usado diretamente para obter-se a solução.

Exemplo 15.1 (Coduto D.P.1994 - pag. 467)

O tubulão escavado mostrado na figura (Coduto D.P.1994 - pag. 467) será construído usando-se um revestimento temporário. Este tubulão será usado como fundação de um edifício de escritórios e tanto no projeto como na execução será usado um padrão normal de controle de qualidade de obras de engenharia. Calcular a carga admissível de compressão que poderá ser aplicada em uma fundação usando apenas um destes tubulões.

SOLUÇÃO

I. Análise do problema

II. Cálculos

Os dados do problema não fornecem os pesos específicos ( g ) das camadas do subsolo (provavelmente porque não foi possível obter amostras de boa qualidade destes solos arenosos). Não é possível calcular a capacidade de carga de um fundação profunda sem esta informação. Deve-se então assumir valores para estes pesos específicos. Valores típicos de g estão apresentados na tabela 3.3 do Capítulo 3 (Coduto D.P.1994 - pag. 51).

Solo areno-siltoso acima do nível d’água - g = 17 kN/m3;

Solo areno-siltoso abaixo do nível d’água - g = 20 kN/m3; e

Solo arenoso abaixo do nível d’água - g = 20 kN/m3

Baseando-se na tabela 15.1 (Coduto D.P.1994 - pag. 464) o diâmetro do tubulão na ocasião da construção será igual ao diâmetro de projeto. Logo a carga admissível a ser calculada será para um tubulão com diâmetro B= 0,6m.

Usando-se as equações 15.3 e 15.5 (Coduto D.P.1994 - pag. 466) pode-se calcular a parcela devida ao atrito lateral.

fs = b sv’

b = 1,5 - 1,135 (z/ Br)1/2 0,25 <= b <=1,20

Camada

z [m]

b

sv’(*) [kPa]

fs [kPa]

As [m2]

Ps [kN]

Areno-siltosa acima do NA

1,00

1,20

17,0

20,4

3,77

77

Areno-siltosa abaixo do NA

2,75

1,09

41,5

45,2

2,83

128

Arenosa (3,5 a 9m)

6,25

0,88

77,3

68,0

10,37

705

Arenosa (9 a 13,3m)

11,15

0,68

126,8

86,2

8,10

699

         

S

1609

(*) Observar que o parâmetro sv’ é calculado para o plano médio da camada considerada.

onde: fs - resistência unitária de atrito lateral;

b - coeficiente para o cálculo do atrito lateral;

z - profundidade do plano médio da camada considerada;

Br - largura de referência 1ft= 0,3m= 12in= 300mm (referência dimensional);

As - área lateral do tubulão na camada considerada;

Ps - parcela devida ao atrito lateral.

Usando a equação 15.1 (Coduto D.P.1994 - pag. 465) calcula-se a parcela devida a ponta. Embora não existam valores de N60 na profundidade 2B (1,2m) abaixo da base do tubulão, assume-se que N60 = 22 é um valor razoável para o projeto.

qe’ = 0,6 sr N60 qe’ <= 4500 kPa

onde: qe’ - resistência unitária de ponta;

sr - tensão de referência 100 kPa (referência dimensional);

N60 - Valor médio do numero de golpes abaixo da base do tubulão até a profundidade 2B.

Ae = p (0,6)2 / 4 = 0,283 m2

Pa’ = (qe’ Ae + S fs As) / F

onde: Pa’ - carga admissível final;

F - fator de segurança.

Pa’ = (1320 x 0,283 + 1609) / 2,5 = 793 kN

III. Resultado final

A carga admissível de compressão que poderá ser aplicada em uma fundação usando apenas um destes tubulões é de 793 kN (79 tf).

B - Cálculo manual da carga admissível de arrancamento

Neste exercício a incógnita é a carga admissível de tração. O programa SHAFT poderia ser usado diretamente para obter-se a solução.

Exemplo 15.2 (Coduto D.P.1994 - pag. 471)

Um tubulão de 60ft de comprimento será construído usando-se o método de escavação mecânica sem revestimento, no subsolo mostrado na figura (Coduto D.P.1994 - pag. 471). O diâmetro do fuste será de 24 in e a base será alargada em forma de sino com diâmetro de 60 in. A estrutura a ser construída sobre esta fundação por tubulões é classificada como permanente e o controle de qualidade do projeto e da construção é normal. Calcular a carga admissível a compressão e a tração (arrancamento).

SOLUÇÃO

I. Análise do problema

II. Cálculos

Em argilas rijas a razão entre o diâmetro de construção e o de projeto é próximo a 1,0 (Tabela 15.1 - Coduto D.P.1994 - pag. 464). Portanto o diâmetro do tubulão na ocasião da construção será igual ao diâmetro de projeto. Logo a carga admissível a ser calculada será para um tubulão com diâmetro do fuste de Bs = 24in.

(a) Parcela devida a ponta (Resistência de ponta)

Usando as equações 15.6 e 15.7 (Coduto D.P.1994 - pag. 469) calcula-se a parcela devida a ponta.

qe’ = Nc* su qe’ <= 80.000 lb/ ft2

Nc* = 6 [1 + 0,2 (D/ Bb)] Nc* <= 9

onde: qe’ - resistência unitária de ponta;

Nc* - fator de capacidade de carga;

D - profundidade até a base do tubulão;

Bb - diâmetro da base do tubulão;

su - resistência nã-drenada do solo na base do tubulão.

Nc* = 6 [1 + 0,2 (60/ (60/12))] = 20

Logo, assume-se Nc* = 9

qe’ = 9 x 4.000 = 36.000 lb/ ft2 qe’ <= 80.000 lb/ ft2

A área da ponta do tubulão (base do tubulão) será:

Ae = p (5)2 / 4 = 19,6 ft2

A parcela devida a ponta (Resistência de ponta) pode então ser calculada:

Pe’ = qe’ Ae = 36.000 x 19,6 = 705.600 lb = 706 k

onde: 1k = 1kip = 1000lb.

(b) Parcela devida ao atrito lateral (Resistência Lateral)

Usando-se o método de Kulhawy and Jackson Figura 15.18 e equação 15.12 (Coduto D.P.1994 - pag. 470) pode-se calcular a parcela devida ao atrito lateral.

fs = a su

onde: a - fator de adesão solo-concreto no fuste do tubulão.

Camada

No.

Profundidade

[ft]

Espessura

[ft]

su

[lb/ft2]

a

fs

[lb/ft2]

As

[ft2]

Ps

[k]

1

0-5

5,0

-

-

-

-

-

2

5-12

7,0

1600

0,53

848

44

37

3

12-37

25,0

1400

0,58

812

157

127

4

37-56,5

19,5

4000

0,34

1360

122

166

5

56,5-60

3,5

-

-

-

-

-

           

S

330

onde: fs - resistência unitária de atrito lateral;

As - área lateral do tubulão na camada considerada;

Ps - parcela devida ao atrito lateral.

A carga admissível a compressão pode então ser calculada usando-se um fator de segurança F = 2,5 para carregamento permanente e controle normal da qualidade (Coduto D.P.1994 - pag. 322 - Tabela 11.1):

Pa’ = (qe’ Ae + S fs As) / F = (Pe’ + Ps) / F

onde: Pa’ - carga admissível a compressão final;

F - fator de segurança

Pa’ = (706 + 330) / 2.5 = 410 k

A carga admissível a tração é calculada através da equação 11.10 (Coduto D.P.1994 - pag. 319):

Pau = 0,9 Wf + (Pub + R S fs As) / F

onde: Pau -carga admissível a tração;

Wf - peso do tubulão (considerar a submersão se necessário);

Pub - parcela da carga de arrancamento devida ao alargamento da base;

R - fator de redução da contribuição devida ao atrito lateral;

F - fator de segurança.

(a) Contribuição devida ao alargamento da base

Para se calcular esta parcela usa-se a equação 11.8 e 11.9 (Coduto D.P.1994 - pag. 319).

Pub = (su Nu + sD) (p / 4) (Bb2- Bs2)

Nu = 2 (D/ Bb - 0,5) Nu <= 9

onde: Pub - parcela da carga de arrancamento devida ao alargamento da base;

sD - tensão total devida ao peso próprio do solo na base do tubulão.

O parâmetro Nu vale: Nu = 2 (60/ 5 - 0,5) = 23 portanto usa-se Nu = 9.

O parâmetro sD vale: sD = S g h = 105 x 12 + 108 x 25 + 109 x 23 = 6.470 lb/ft2

Finalmente, a contribuição devida ao alargamento da base será:

Pub = (4.000 x 9 + 6.470) (p / 4) (52- 22) = 700 k

(b) Contribuição devida ao atrito lateral

Para D/ Bb = 12, portanto > 6, usa-se fator de redução R=1,0 (Coduto D.P.1994 - pag. 317).

Desconsiderando-se o atrito na região 2Bb acima da base do tubulão, a Camada No. 4 na tabela anterior mudará para: Profundidade = 37 - 50; As = 82; Ps =112.

A contribuição devida ao atrito lateral será então: S Ps = 37 + 127 + 112 = 276 k

(c) Contribuição devida ao peso do tubulão

Wf = [(p 22/ 4) 58,5 + p / 4(((2 + 5) / 2)2 1,5)] 0,150 k / ft3

Wf = 30 k

Observar que o peso específico submerso não foi necessário devido a grande profundidade do NA.

  1. Fator de segurança

Deve-se majorar o fator de segurança da tabela 11.1 (Coduto D.P.1994 - pag. 322) de 1,5 a 2,0 vezes.

F = 1,5 x 2,5 = 3,7

A carga admissível a tração final pode ser calculada:

Pau = 0,9 x 30 + (700 + 1,0 x 276) / 3,7 = 291 k

III. Resultado final

A carga admissível de compressão que poderá ser aplicada em uma fundação usando apenas um destes tubulões é de 410 k (1.824 kN ou 182 tf). A carga admissível de tração que poderá ser aplicada em uma fundação usando apenas um destes tubulões é de 291 k (1.294 kN ou 129 tf). Convém observar que o comprimento relativamente grande deste tubulão foi necessário devido a baixa resistência ao cisalhamento do solo acima da base.

C - Cálculo manual de recalques de fundações profundas

Neste exercício a incógnita é o recalque. O programa SHAFT não pode ser usado para obter-se a solução pois ele é exclusivo para o cálculo da capacidade de carga.

Exemplo 15.3 (Coduto D.P.1994 - pag. 483)

Calcular o recalque da fundação do exemplo 15.2 (Coduto D.P.1994 - pag. 471) quando sobre ela estiver atuando a carga admissível de compressão.

SOLUÇÃO

I. Análise do problema

 

II. Cálculos

O cálculo dos recalques é feito com base na carga mobilizada de ponta e por atrito lateral. Usa-se o método das tentativas e as figuras15.22 e 15.23 (Coduto D.P.1994 - pag. 480 e 481).

(a) 1a. tentativa para um recalque d =0,2 in

- Mobilização da resistência por atrito lateral

Para a abcissa adimensional (d / Bs) = 0,2 / 24 = 0,8 % obtém-se na figura 15.22 a ordenada adimensional (fs As mobilizado / fs As último) = 1,0.

Portanto a resistência por atrito mobilizada é:

fs As mobilizado = Ps = 330 x 1,0 = 330 k

- Mobilização da resistência de ponta

Para a abcissa adimensional (d / Bs) = 0,2 / 60 = 0,3 % obtém-se na figura 15.23 a ordenada adimensional (qe’ Ae mobilizado / qe’ Ae último) = 0,25.

Portanto a resistência de ponta mobilizada é:

qe’ Ae mobilizado = Pe’ = 706 x 0,25 = 176 k

A resistência total mobilizada é (Pe’ + Ps) = 176 + 330 = 506 k. Este valor é superior a carga admissível a compressão (Pa’ = 410 k.), portanto o recalque estipulado para esta 1a. tentativa, d =0,2 in, é excessivo, já que mobilizou mais resistência do que a carga admissível.

(b) 2a. tentativa para um recalque d =0,1 in

- Mobilização da resistência por atrito lateral

Para a abcissa adimensional (d / Bs) = 0,1 / 24 = 0,4 % obtém-se na figura 15.22 a ordenada adimensional (fs As mobilizado / fs As último) = 0,92.

Portanto a resistência por atrito mobilizada é:

fs As mobilizado = Ps = 330 x 0,92 = 304 k

- Mobilização da resistência de ponta

Para a abcissa adimensional (d / Bs) = 0,1 / 60 = 0,2 % obtém-se na figura 15.23 a ordenada adimensional (qe’ Ae mobilizado / qe’ Ae último) = 0,10.

Portanto a resistência de ponta mobilizada é:

qe’ Ae mobilizado = Pe’ = 706 x 0,10 = 71 k

A resistência total mobilizada é (Pe’ + Ps) = 71 + 304 = 375 k. Este valor é inferior a carga admissível a compressão (Pa’ = 410 k.), portanto o recalque estipulado para esta 2a. tentativa, d =0,1 in, é insuficiente, já que mobilizou menos resistência do que a carga admissível.

  1. Cálculo do recalque esperado

Como nas duas tentativas o intervalo de resistência mobilizada [375 - 506] inclui a carga admissível a compressão (410), o recalque final pode ser calculado através de uma proporção simples.

d = 0,1 + 0,1 x [(410-375) / (506 - 375)] = 0,13 in

III. Resultado final

O recalque esperado para este tubulão, quando sobre ele estiver atuando a carga admissível de compressão, será de 0,13 in.

D - Cálculo automático da carga admissível de compressão e de tração - Programa SHAFT

Neste exercício as incógnitas são as cargas admissíveis de compressão e de tração de uma fundação usando apenas um tubulão.

Exemplo 15.4 (Coduto D.P.1994 - pag. 489)

Usar o programa SHAFT para resolver o exemplo 15.1 (Coduto D.P.1994 - pag. 467).

SOLUÇÃO

I. Análise do problema

II. Cálculos

Seguir passo a passo a "Orientações para o uso do programa SHAFT". O programa automaticamente calculará os valores da capacidade de carga a compressão e das cargas admissíveis a compressão e a tração.

III. Resultado final

A capacidade de carga da fundação com um tubulão será de 2.100 kN (210 tf), sendo 1.727 kN de resistência por atrito lateral e 373 de resistência de ponta, e a carga admissível por compressão de 840 kN (84 tf) e por tração de 486 kN (49 tf).

BIBLIOGRAFIA

CODUTO, D.P. FOUNDATION DESIGN - PRINCIPLES AND PRACTICES, Prentice Hall, pp796. 1994.